AS QUESTÕES HÍDRICAS DO SEMI-ÁRIDO E A BARRAGEM DE OITICICA AUTORIZADA EM 1952
- Aldemar Almeida
- 17 de mar.
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“Nenhuma joia da coroa seria poupada até resolver a questão da seca no Nordeste” (SALES,2021) Foi a partir da afirmação do então imperador Dom Pedro II, quando a região vivia a grande seca de 1877, que as questões relacionadas ao semiárido passaram a ter uma maior atenção por parte do Estado brasileiro. O imperador solicitou estudos acerca das melhores áreas para a construção de açudes, com destaque ao ‘açude “Cedro”, Quixadá-CE, que foi iniciado em 1890 e somente concluído no período republicano, 16 anos depois, em 1906 (SALES,2021)
No início do período republicano, em 1909, foi criada a Inspetoria de Obras contra as Secas (IOCS), que a partir de 1919, modificou a denominação para Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS), a qual institucionaliza, por parte do Estado brasileiro, as políticas alusivas a questão hídrica no semiárido (ROCHA,2010). Entretanto, a referida instituição possuía, basicamente, a função relativa à construção de açudes, os quais eram situados, algumas vezes, em propriedades rurais privadas, o que agravava a desigualdade socioespacial no semiárido, não realizando, portanto, a promoção de políticas públicas capazes de transformar socialmente o semiárido.
Mesmo com a modificação da nomenclatura do referido organismo para Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1963, ainda eram escassas as políticas públicas efetivas para modificar espacialmente o contexto socialmente desigual do semiárido, uma vez que as intervenções orientadas pelo referido órgão possuíam semelhanças às existentes ainda no período como “IFOCS”, não priorizando, portanto, uma compreensão mais crítica e social frente as questões hídricas do semiárido.
BARRAGEM DE OITICICA
Ainda neste contexto da “política de açudagem” (ROCHA, 2010), há o planejamento estatal, por parte do DNOCS e do Governo federal, da construção de grandes reservatórios hídricos, como foi o caso da Barragem de Oiticica. O primeiro projeto da Barragem foi elaborado pelo DNOCS, na década de 1950, num contexto de secas severas. Na tentativa de responder ao problema, o presidente da república Getúlio Vargas nomeou José Américo de Almeida para assumir o Ministério da Aviação e Obras Públicas, com a indicação de intervir nas obras hídricas do Nordeste (MOREIRA,2017).
Antes de ser Ministro por duas vezes, de Entre 1930 e 1934, e posteriormente em 1951, José Américo, em 1928, ingressou na literatura com a publicação da obra ‘A Bagaceira’, romance que provocou entusiasmo na crítica e o tornou nacionalmente conhecido. A obra reflete e ataca o ultrapassado sistema de concentração latifundiária no Nordeste, que o autor denunciava como responsável pela miséria da região. No prefácio, o autor manifesta seu espanto diante da realidade nordestina: “Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã”. (Segundo a Bíblia, Canaã era a terra prometida por Deus ao seu povo, desde o chamado de Abraão), que habitava a cidade caldeia de Ur, no sul da Mesopotâmia.
Na proposta inicial, a infraestrutura de Oiticica tinha uma capacidade projetada de aproximadamente 50.000.000 m³, com a finalidade de irrigar uma área de cerca de 10.000 hectares, com consequente criação de perímetros irrigados, a qual deveria aumentar a segurança hídrica para a população de cerca de 17 municípios da região, assim como contribuir para a diminuição de cheias urbanas, designadamente na cidade de Jucurutu (FERREIRA e outros 2021).
Assim, a conclusão da obra estava prevista no IV Plano Diretor da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, em 1971, mas, o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954 e, posteriormente, na década de 1970, o avanço das obras da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, travaram o projeto (ALVES e outros 2010).
Em 2007 o projeto foi integrado no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Contudo, a obra somente avançou em 2013 com a assinatura, pela presidente Dilma Rousseff, do termo de compromisso que transferia a responsabilidade da construção da barragem de Oiticica, do DNOCS, a quem competia a construção por se tratar de um rio federal, para o executivo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da SEMARH – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SANTOS, DA SILVA 2017).
A previsão inicial era de conclusão da obra em 2015, mas o contexto político brasileiro ocasionou a não finalização. Assim, em 2019 havia 75% da obra concluída. Ainda no ano de 2019, em meio a paralisação da obra, ocorriam negociações entre governo estadual e o Movimento de Atingidos e Atingidas pela Barragem. Entretanto, as obras não foram concluídas como previsto, devido a problemas com o orçamento e com o grupo responsável pela construção e reassentamento destinado às famílias do distrito de Barra de Santana.
Assim, a nova previsão indicava conclusão da obra entre os meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022, com o orçamento total de R$ 550 milhões de reais, após ajustes no contrato da mesma, num valor superior ao estipulado inicialmente (LACERDA e outros, 2022). Apesar do aporte financeiro, a obra da Barragem de Oiticica chegou, ao final de 2022, sem a conclusão, reduzindo as possibilidades de melhorias hídricas.
O Complexo Hidro Social de Oiticia será inaugurado na próxima quarta-feira (19) em solenidade no local que contará com a presença do Presidente da República, Lula, da governadora Fátima Bezera, do prefeito de Jucurutu, Iogo Queiroz, deputados estaduais e federais, prefeitos de municipios da região Seridó e de outras regiões do Rio Grande do Norte.
A barragem passa a ser a segunda maior do Estado, como capacidade de armazenamento de 742 milhões e 600 mil metros cúbicos de água, ficando atrás apenas da Armado Ribeiro Gonçalves que tem capacidade para acumular 2 bilhões e 400 milhões de metros cúbicos. Vai abastecer cerca de 330 mil pessoas em 43 municípios e evitar inundações na região do baixo açu. As duas barragens estão localizadas na Bacia Hidrográfia Piancó-Piranhas-Açu.

Fotos de Humberto Sales, Roberto Sales e Consórcio QS Oiticica.
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