Marcos Oliveira/Agência Senado
Senador Castellar Neto (PP-MG)
O Brasil chegou na quarta-feira (16) à lei federal de número 15.000, que declara o Anísio Teixeira patrono da escola pública brasileira. A contagem atual das leis ordinárias foi iniciada após a Constituição de 1946, que restaurou a democracia e o Estado de Direito no país. Nesse período, foi editada uma média de uma nova lei a cada dois dias. Afinal, tantas leis produzidas atendem às demandas da nossa democracia?
Para o senador Castellar Neto (PP-MG), que é advogado e mestre em direito criminal, é difícil estabelecer comparações sobre a quantidade de leis de cada país, já que as nações têm peculiaridades com relação à forma como codificam suas normas. Enquanto alguns países adotam tradições jurídicas baseadas principalmente em normas expressas (a chamada civil law, como ocorre no Brasil, em Portugal, na França e na Itália) outros se apoiam em costumes ou em precedentes judiciais (a common law, como é o caso de Reino Unido e Estados Unidos). Por essa razão, para ele, a quantidade de normas produzidas, por si só, não fornece elementos suficientes para avaliar outras realidades nem pode medir a qualidade da legislação.
" Esse número não nos assusta porque a sociedade é, de fato, um movimento fluido. Com o passar do tempo, a evolução social faz com que regras novas, em momentos novos, sejam implementadas. O legislador, como representante do povo, portanto, nada mais faz do que acompanhar a evolução social e traduzir essa evolução em novas normas. Por isso, temos um número expressivo [de leis] ao longo dos anos. Tenho certeza de que isso nada mais traz do que uma grande garantia para o cidadão brasileiro.
Da mesma forma, o senador Laércio Oliveira (PP-SE) destaca o papel das leis de representar algum anseio social, ainda que as normas não cumpridas causem impacto reduzido.
"Todas as leis focam o bem-estar da sociedade. Por quê? O nascedouro [das leis] é a representação legítima da sociedade que está dentro do Congresso Nacional. E essa representação está muito próxima do cotidiano de cada um — disse Laércio, que é parlamentar desde 2007.
Waldemir Barreto/Agência Senado
Senador Laércio Oliveira (PP-SE)
Lei 1: liberdades e gafanhotos
A Lei 1, de 1946, foi sancionada em outubro daquele ano, duas semanas após a promulgação da Constituição de 1946 — que selou o fim do período autoritário do Estado Novo (1937 a 1945), comandado por Getúlio Vargas.
Apesar do clima de otimismo na política, essa primeira lei veio para combater um cenário desolador na economia: naqueles dias, nuvens de gafanhotos causavam destruição em plantações no Sul do país. A lei liberava recursos para o combate à praga.
De olhos atentos
Membro do Congresso Nacional desde 1987, o senador Paulo Paim (PT-RS) ressalta que, no período democrático desde a Constituição de 1988, muitas leis beneficiam justamente a diversidade da sociedade brasileira. Ele citou o exemplos dos estatutos que foram resultados de propostas suas: o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 2003); o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 2010); e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 2015).
Mas o senador fez uma alerta: é papel da sociedade estar atenta àquelas normas que, em vez de serem criadas para beneficiar a coletividade, têm o objetivo de atender “grupos seletos”. A participação na política, para ele, é uma das formas de realizar o controle da produção legislativa pelos representantes eleitos.
— A participação na política é um ato que define os rumos da vida da população. A não participação, por outro lado, é exatamente o que um pequeno grupo deseja — afirmou Paim à Agência Senado, citando também a frase atribuída a Bertolt Brecht: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos [como a produção das leis]. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas".
Waldemir Barreto/Agência Senado
Senador Paulo Pahim
Lei 6.000: já era difícil se aposentar
No ano de 1973, contrapunham-se um acelerado crescimento econômico e uma ditadura militar prestes a completar uma década. Apesar das restrições de direitos, foi ao longo da década de 1970 que o sistema de aposentadorias foi unificado e profundamente reformado.
A Lei 6.000, de 1973, buscou pacificar entendimentos conflitantes sobre a aposentadoria de empregados do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE). O caso serviu de parâmetro para a complicada previdência social da época.
Impacto real
Para o consultor do Senado Gilberto Guerzoni Filho, a produção de normas no Brasil “é bastante abundante” e há uma tendência de medir a produtividade do Legislativo sob essa ótica. Mas, para ele, é preciso olhar além dos números para verificar quantas leis de fato inovam o mundo jurídico.
— É preciso aprofundar a análise para ver quantas são, efetivamente, as leis no sentido material, uma vez que se observa um aumento significativo de leis que [tratam da] criação de datas comemorativas, denominação de logradouros públicos [como nome de estradas], concessão de denominações honoríficas, entre outros — enfatizou o consultor.
Lei 10.000: o choro é livre
Leis com datas comemorativas sempre existiram no Brasil. No entanto, desde os anos 2000, produções do tipo explodiram. Mais de um quinto das leis que instituem dias especiais foram criadas entre 2022 e 2024.
A Lei 10.000, de 2000, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, criou o Dia Nacional do Choro, celebrado em 23 de abril.
Mudança de perfil
No processo de produção das leis até chegar à Lei 15.000, o perfil dos autores da legislação foi mudando. A participação dos senadores na autoria de leis ordinárias, por exemplo, aumentou pelo menos 6,6 vezes nos últimos 80 anos. E desde a promulgação da Carta Magna, em 1988, senadores e deputados federais aumentam ano a ano a quantidade de novas proposições que podem dar origem a leis.
Legislar e organizar
Segundo o analista do Senado João Alberto de Oliveira Lima, as Casas parlamentares têm responsabilidade constitucional de organizar as normas e fomentar seu acesso ao público. É o que o Congresso Nacional faz de forma aberta desde 2022, por meio do portal normas.leg.br, que contém leis produzidas desde 1880.
Líder do projeto que deu origem a esse portal, Lima lamenta que o trabalho de curadoria das normas seja muitas vezes esquecido pela “agenda política atual, que está mais preocupada com o último assunto publicado”.
— Temos várias leis ineficazes e exauridas que até hoje constam como vigentes, mas que poderiam ser expressamente revogadas. Há leis que não são aplicadas até hoje. É importante chamar a atenção para que o Congresso faça a curadoria do estoque de normas do país, tanto no sentido da consolidação como também da revogação — salientou Lima, que é especialista em informática legislativa.
A tarefa de consolidação — que é a integração de várias normas correlatas em uma nova lei — é uma exigência da Lei Complementar 95, de 1998. Desde 2003, o Senado e o Congresso já criaram cinco comissões com esse objetivo, mas nenhuma entregou resultados concretos. O colegiado mais recente, instituído por ato conjunto da Câmara e do Senado (ATN 1/2017), ainda não foi instalado.
Apesar disso, Lima considera que “o Congresso Nacional, com o normas.leg.br, é referência mundial” no tema da compilação de leis.
Números e letras
A Lei 15.000 é, na verdade, a 15.130ª lei ordinária. Isso ocorre porque, entre as décadas de 1940 e 1960, houve casos de leis que repetiram um número já utilizado, mesmo que o assunto tratado fosse outro. A repetição exigia o acréscimo de letras para distinguir as normas — como a Lei 1.785, de 1952, que foi sucedida pela Lei 1.785-A, depois pela Lei 1.785-B e assim sucessivamente. Foi o que aconteceu com 130 leis no período.
Fonte: Agência Senado
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