Oiticica, que será inaugurada amanhã, nasce sob a égide da unanimidade entre os líderes seridoenses
- Aldemar Almeida
- 18 de mar.
- 4 min de leitura

Nem sempre as demonstrações de respeito e gratidão acontecem nos atos de inauguração de benefícios públicos, aos seus verdadeiros protagonistas. Com a inauguração da Barragem de Oiticica, que ocorre amanhã, uma obra de grande importância para uma região Seridó, notadamente para Jucurutu, onde está construída a barragem, e os municípios de São Fernando e Jardim de Piranhas por onde se estenderá o lago que trará grandes benefícios para os agricultores e produtores rurais no seu entorno, não deve ser diferente.
O padre João Medeiros Filho, um jucurutuense da gema que ao logo dos anos tem se preocupado com a sua região, foi autor de artigos que abordam essa questão em que os louros da vitória muitas vezes não vão para os protagonistas. O padre registra que em 1951 o Nordeste viveu uma de suas frequentes secas, com longa estiagem. Era o primeiro bispo de Caicó Dom José de Medeiros Delgado, que naquele mesmo ano foi designado arcebispo de São Luís do Maranhão.
Por sugestão de Dom Delgado um grupo que tinha ainda o Monsenhor Walfredo Gurgel, que era o vigário geral de Santana e assumiu o segundo mandato de deputado federal e do então deputado estadual Stoessel de Brito, que representava Jucurutu na Assembleia Legislativa do Estado, se reuniu na Fazenda Baixio, que era de propriedade do parlamentar estadual, de quem o bispo se tornara grande amigo. Por sugestão de Dom Delgado o grupo decidiu, por unanimidade, propor ao governo federal um empreendimento duradouro e não mero paliativo.
Optou-se por indicar a construção de uma barragem perto de Barra de Santana, como reservatório de água potável, destinado também à pesca e irrigação. O bispo estava prestes a viajar ao Rio de Janeiro para tratar com o Núncio Apostólico de sua futura diocese (São Luís). Antes, passou pela Paraíba, onde se encontrou com José Américo de Almeida, seu amigo de longa data e coordenador nacional do Programa de Combate às Secas.
Na capital da República, Dom Delgado aproveitou para falar com o vice-presidente Café Filho e pessoas influentes, inclusive seu compadre Tristão de Athayde. Disso resultou, posteriormente, o ato federal, autorizando o início da construção da Barragem de Oiticica. O engenheiro Clóvis Gonçalves dos Santos foi nomeado para dirigir as obras. De acordo com o padre João Medeiros, Dom Delgado pensou, também. na assistência religiosa aos operários. Recomendou a Padre Deoclides de Brito Diniz que lhes dedicasse especial atenção e zelo pastoral.
No canteiro de obras, o inesquecível sacerdote celebrou uma missa vespertina, a primeira, em solo seridoense. No final da cerimônia, leu uma mensagem profética de Dom Delgado: “O suor de tantos, aqui derramado, um dia converter-se-á em água abundante para matar a sede e fome de nosso povo.”
“Ao longo de minha vida, procuro seguir a orientação do Livro de Sirácida (Eclesiástico): “Façamos o elogio dos homens ilustres, nossos antepassados, através das gerações (Sr44,1). Por temperamento, educação familiar e formação eclesiástica, não sou afeito a polêmicas, diatribes e dissensões. Não é tampouco objetivo deste artigo fomentar atritos e discordâncias. Sua intenção é tão somente resgatar o passado e registrar fatos esquecidos ou desconhecidos”, escreveu o padre Joãozinho como chamávamos em Jucurutu.
Em 17 de dezembro de 2014, a então governadora Rosalba Ciarlini sancionou a Lei 9.903/2014, aprovada pelo parlamento estadual, dando nome à Barragem de Oiticica. Não está em questão o mérito do homenageado. Em que pesem os ritos legais e administrativos, o fato é que aquele reservatório hídrico sequer estava concluído. Relevem-me a comparação: batizou-se uma criança sem a mesma ter nascido. Ou por outra, houve o registro de nascimento de um nascituro no útero materno. Isto sói acontecer na administração pública brasileira nas diversas esferas. Por outro lado, como se expressou o imortal Vicente Serejo: “Homenageiam-se mais os políticos”. No entanto, esquecem-se nomes e figuras importantes.
Oiticica nasceu sob a égide da unanimidade entre os líderes seridoenses. Prefeitos, deputados, políticos, religiosos. Dom José Delgado pensou, também na saúde dos operários de Oiticica. Em Caicó, atuava um prático em enfermagem e farmácia, conhecido por todos com o nome de Cícero da Usina. O “enfermeiro” fora liberado de suas funções na Prefeitura de Caicó e no Hospital do Seridó para prestar serviços junto aos operários da futura barragem. Ali fez curativos, aliviou a dor de muitos e orientou jovens e adolescentes, inexperientes operários alistados pelas frentes de trabalho. Naqueles anos de seca havia em Jucurutu a extração de xelita na Mina do Bonito, então propriedade de Dinarte Mariz. Tendo em vista a permanência de muitos operários, a administração da empresa contratou um médico cearense, Dr. Clóvis Vitorino Dantas.
A Mina contava também com os serviços odontológicos de Dr. Morton Mariz de Faria. O prelado caicoense conseguiu de seu amigo e parente próximo Dinarte de Medeiros Mariz a liberação de tais profissionais para atender os operários da construção da barragem, ao menos um dia por semana. O atendimento era gratuito e corria a expensas da Mina. Não havia rubrica para contratação de tais profissionais pela administração da barragem, a cargo do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS.
Portanto, pode-se verificar que a Barragem de Oiticica foi um ícone do entendimento, diálogo e espírito de serviço que devem nortear os cristãos. Oxalá houvesse hoje esse mesmo clima! Tal foi a postura de Dom Delgado, agindo em nome da Igreja, que serve e ouve os gemidos de seu povo. Oportuno lembrar o que diz o apóstolo Paulo: “Portanto dai a cada um o que deveis; a quem tributo, tributo; a quem temor, temor; e a quem deveis honra, honra”. (Rm 13, 7). Dom Delgado merece de nossa parte toda homenagem e gratidão. Esta é a nobreza da alma.
Por último, gostaria de acrescentar que Monsenhor Raimundo Sérvulo da Silva, pároco emérito de Acari, aos quinze anos de idade, foi alistado como cassaco das obras junto com seu pai José Sérvulo da Silva. Ali o zeloso, piedoso e dedicado presbítero derramou seu suor e sangue (por conta de um acidente de trabalho). Hoje, suas mãos ungidas de sacerdote merecem e devem abençoar a nova Barragem, no momento e ato de sua inauguração. “Sempre e em toda parte, reconheçamos e agradeçamos os benefícios que nos são dados.” (At 24, 3).
Foto: Humberto Sales, Roberto Sales e Consórcio QS Oiticica.

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