Corria o ano de 2014. O Brasil se preparava para sediar uma Copa do Mundo; no segundo semestre, conflito entre Israel e Hamas; Obama e Castro ensaiavam uma aproximação inédita entre Estados Unidos e Cuba. Entretanto, para a UFRN, dois fatos marcaram esse ano: a concessão de sua primeira carta-patente, no dia 03 de junho, e a eleição para reitor, no final daquele ano. Vamos nos ater ao primeiro agora.
A pesquisa desbravadora teve como autores os pesquisadores Afonso Avelino Dantas Neto, Eduardo Lins de Barros Neto, Geraldine Angélica Silva da Nóbrega e Tereza Neuma de Castro Dantas, e recebeu o nome de Processo de desidratação do gás natural por microemulsão. Eles explicam que, na época do estudo, o uso de gás natural estava em crescimento, mas existia a preocupação com a qualidade do gás, em especial com o teor de água, que em níveis elevados pode prejudicar os motores.
“Assim, partimos para o desenvolvimento de uma nova tecnologia de desidratação do gás natural utilizando sistemas microemulsionados. Os resultados foram satisfatórios e concederam ao gás um bom desempenho como combustível. O uso de microemulsão foi inovador, mas com as novas pesquisas, conseguimos melhorar o desempenho e diminuir os custos. Isso ocorreu, em parte, pois a partir das microemulsões, desenvolveu-se as nanoemulsões, que são eficientes, de menor custo e, assim, a aplicação industrial fica mais viável”, pontuou Tereza.
Com outras quatro concessões recebidas, a cientista salienta também que, desde que o grupo iniciou as pesquisas com microemulsões e suas aplicações em diferentes áreas industriais, com aperfeiçoamentos e inovações na área, a área tem crescido muito e aberto novas fronteiras para o desenvolvimento de pesquisas. Tereza Neuma identifica ainda que, quanto à ampliação das áreas de aplicação, hoje já foram desenvolvidos novos métodos de melhorias na recuperação de petróleo, remoção de derivados de petróleo de águas e de solos contaminados. “Todos com eficiência e custo/benefício”, frisa.
Na época reitora de primeira viagem (a reeleição ocorreria no final de 2014), ngela Maria Paiva Cruz destaca que a primeira concessão pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) teve grande relevância no contexto das 15 patentes que foram conquistadas até maio de 2019. “O primeiro patenteamento propiciou a elevação da confiança no sistema de gestão da propriedade intelectual, conduzido pelo Núcleo de Inovação Tecnológica, hoje Agência de Inovação, e a percepção da qualidade da pesquisa com aplicação no setor produtivo de gás natural. Não bastasse, a primeira patente incrementou os indicadores de inovação da UFRN e do RN, o que nos dava um orgulho pelo trabalho incansável de Aldayr Dantas de Araújo, coordenador do NIT até 2019, e dos nossos pesquisadores, evidenciando, no caso, o sucesso desse grupo da engenharia e da química”, contextualiza a ex-reitora.
Números de concessões quadruplicaram Como dito, entre maio de 2014 e maio de 2019, a Universidade recebeu 15 cartas-patentes. Já entre maio de 2019 e maio de 2024, foram outras 67 concessões – Parte delas teve como autora a cientista Dulce Maria de Araújo Melo. Com nove concessões, ela divide em dois pontos a relevância do ato de patentear. O primeiro deles é ter a sensibilidade de transformar aquilo que o pesquisador faz em uma patente, em benefício para a sociedade de um modo geral, e não apenas com impacto para o público científico.
“O público, de um modo geral, vai ver o design desses experimentos numa publicação científica, mas o público, digamos, mais deliberadamente ansioso por uma patente que seja de inovação, vai direto no site das patentes e para olhar se isso é de interesse dele ou não. A segunda coisa que é importante é que, de acordo com essa modalidade de pedir privilégio de patente, é possível aumentar a TRL do seu projeto, da sua patente, do seu experimento. Por exemplo, nós temos catalisadores para a produção de gás de síntese – isso é uma patente – e através da produção do gás de síntese, a gente pode obter o hidrogênio e, consequentemente, pode obter a amônia, e a partir dela produzir o fertilizante. Então, nesse aspecto, eu preciso patentear para resguardar a origem daquela ideia, pois, embora essa ideia sirva para a sociedade, é necessário resguardar a minha invenção ou a nossa invenção, a criação do nosso laboratório”, detalha a docente do Instituto de Química.
O TRL citado pela professora é uma escala utilizada para a avaliação de uma tecnologia de acordo com seu grau de desenvolvimento e seu enquadramento em Níveis de Maturidade Tecnológica. Ao todo, são nove: ideação, concepção, prova de conceito, otimização, prototipagem, escalonamento, demonstração em ambiente operacional, produção e produção continuada. Graduada em Farmácia, Dulce pontua ainda que, para os alunos, o ato de patentear é importante pois eles começam a trilhar no caminho do desenvolvimento sustentável, e, no caso do grupo do Laboratório de Tecnologias Ambientais (LabTam), para seguir nessa trilha você precisa da química básica e da pesquisa básica, para depois se aprofundar e chegar naquilo que vai para o mercado.
Outro professor que se destaca em termos de concessão de patente, Uilame Umbelino Gomes, explica que a produção intelectual, entre outros fatores, é medida pelo número de publicações como trabalhos publicados em revistas científicas, apresentações em congressos, teses e dissertações, patentes, entre outros. “Nestes casos específicos das Patentes, o que se busca é a garantia da proteção do conhecimento intelectual buscadas pelos autores e instituições responsáveis pela sua produção, permitindo a estes o usufruto do resultado de negociações da tecnologia ou venda de produtos ou de bens e serviços”, acentua o professor do Departamento de Física Teórica e Experimental da UFRN.
Outro ponto levantado por ele é a situação dos países mais desenvolvidos economicamente tratarem com muito cuidado o patenteamento do conhecimento tecnológico, porque é através dele que é gerada a grande riqueza das nações industrializadas. “O Brasil demorou e ainda é lento neste processo de incentivo e controle do patrimônio das patentes”, ressalta. Umbelino é autor de 31 depósitos de pedido de patente; dentre os quais, oito já foram concedidos. O resultado é fruto do trabalho realizado no Grupo de Pesquisa Materiais e Tecnologia dos Pós, coordenado por ele, com vasta produção no desenvolvimento tecnológico de materiais particulados inicialmente voltados para metais refratários como Tungstênio, Nióbio e Tântalo, elementos químicos com ocorrências minerais significativas no Estado do Rio Grande do Norte, notadamente na Região do Seridó.
Em conjunto com professores e muitos alunos, a produção científica e tecnológica do grupo conta com mais de 400 trabalhos científicos publicados, mais de 100 orientações e co-orientações, entre teses e dissertações, fora os patenteamentos já citados.
Falando em produção, a participação dos alunos no processo é outro fator relevante. É o que realça Dulce, informando que a segunda patente obtida pela UFRN nasceu aqui no LabTam. Hoje nós temos cerca de 20 patentes e em todas elas existe a participação dos nossos alunos, sejam eles de pós-graduação, pós-doutorado ou de nossos outros pesquisadores, que não são permanentes na Universidade, mas que são atrelados aos nossos projetos.“Acredito que esse universo é muito rico, porque dentro dele você tem várias características, vários caracteres e vários algoritmos que você pode lançar mão. Patentear uma invenção sua com alunos é uma coisa fantástica, pois você está projetando seu aluno. Quando os alunos e pesquisadores entram nesse universo e passam a serem citados, consultado sobre aquele determinado assunto, se tornam referência. E consequentemente, se a patente for muito boa, ele passa a ter usufrutos dos royalties daquela patente”, distingue a professora.
Patenteamento Na UFRN, o primeiro passo para os interessados em proteger a tecnologia é fazer a notificação de invenção dela. O procedimento ocorre no próximo sistema SIG, na aba pesquisa. Os passos seguintes recebem o acompanhamento da Agência de Inovação da Reitoria (AGIR). Dessa maneira, a Universidade procura garantir aos seus cientistas suporte no processo de pedido, auxiliando na escrita e até em questões burocráticas, como a responsabilidade pelo pagamento de taxas. Assim, uma série de atividades necessárias à existência da patente, como quitação de anuidades, pedido de exame e concessão do pedido, são exemplos de atribuições da UFRN, especificamente da Agir.
Fonte: Agir-UFRN
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