Marcos Neves Jr. - Agecom/UFRN
Vigilância epidemiológica baseada em esgoto ajuda a identificar surtos de doenças
Você já se perguntou quanto o esgoto pode revelar sobre um lugar? Mesmo em uma cidade conhecida, entre outras coisas, por seu mar matinal e agradável, há muito a se conhecer a partir da análise das chamadas águas residuais. Ao estudá-las, uma pesquisa do Laboratório de Biologia Molecular e Genômica (LBMG/UFRN) organizada pela comunidade de vírus todos os presentes, gerando dados de grande interesse para a compreensão das dinâmicas desses organismos, bem como para o desenvolvimento de políticas externas à saúde pública do município.
Com resultados publicados na revista Environmental Pollution, o estudo examinou amostras de três das principais estações de esgoto de Natal (Baldo, Beira-Rio e Ponta Negra) ao longo de um ano, entre junho de 2021 e maio de 2022. As coletas semanais foram Foram submetidas ao sequenciamento de DNA e RNA, método que possibilitou o mapeamento dos vírus circulantes e as flutuações das comunidades durante o período. Há poucos trabalhos longitudinais nessa temática no Hemisfério Sul, o que representa um diferencial da pesquisa.
O estudo integra a tese de Julia Firme Freitas, defendida na última sexta-feira, 30 de agosto, no Programa de Doutorado em Biotecnologia – Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio). De acordo com a pesquisadora, primeiro autor do artigo, a publicação deste trabalho contribui para a saúde pública do município de Natal, forneceu informações sobre os principais patógenos existentes nas águas residuais da cidade.
Pesquisadoras Julia Freitas e Lucymara Fassarella, orientadora da tese, apresentando resultados do trabalho em congresso
“Apontamos biomarcadores que podem ser usados para monitoramento e prevenção de surtos de doenças. As descobertas auxiliam na criação de estratégias mais eficazes para o controle de infecções e podem para a proteção da população contra ameaças emergentes”, explica, ressaltando ainda que o estudo complementa a vigilância genômica já aplicada em Natal.
“Esse princípio analisa individualmente pacientes pacientes. No entanto, quando comparadas, as vigilâncias genômicas e epidemiológicas, a última é mais rápida e avalia várias pessoas ao mesmo tempo, tornando-se mais rápida. Por isso, realizamos uma vigilância epidemiológica a partir das amostras de esgoto, conseguindo avaliar toda a população (sintomática e assintomática)”.
Segundo Julia Freitas, entre os vírus de DNA que infectam vertebrados, os mais frequentes são os gêneros Mastadenovírus, Citomegalovírus e Poliomavírus. No entanto, ela chama a atenção para o fato de, em 2022, já terem sido identificados nas águas do esgoto os gêneros Yatapoxvirus e Orthopoxvirus , sendo este último o que abriga a espécie Mpox, causadora da doença de mesmo nome.
A coordenadora do LBMG e uma das autoras do artigo, a professora Lucymara Fassarella, do Departamento de Biologia Celular e Genética (DBG/UFRN), destaca o caráter inovador do estudo. Para a pesquisadora, a análise de redes de co-ocorrência viral permitiu identificar possíveis biomarcadores, como o vírus Volepox, que geralmente comete ratos, e o herpesvírus Anatid 1, ligado à enterite viral dos patos.
“Esses biomarcadores podem ser extremamente úteis para futuras investigações epidemiológicas e para a vigilância de saúde pública. Além disso, descobrimos que membros da família Coronaviridae apresentavam alta centralidade nas redes de co-ocorrência, conectando-se até o mesmo com vírus não classificado. Isso indica que esses vírus podem ter um papel central nas dinâmicas virais presentes no esgoto”, detalha Lucymara.
Como exemplo, um pesquisadora cita a ainda recente pandemia de covid-19. Naquele período, segundo a pesquisa, ficou evidente que tecnologias como o metaviroma, análise baseada no sequenciamento de DNA e RNA de vírus extraídos de amostras ambientais, desempenham um papel crucial na detecção e no monitoramento de surtos de doenças.
Amostras de esgoto de Natal revelam a presença de vírus circulantes e as flutuações sazonais das comunidades virais
Os dados revelaram também uma associação entre sequências de Coronaviridae nas amostras de esgoto, volume de chuvas e o número de casos relatados de covid-19. Isso, na avaliação da pesquisadora, sugere a possível influência de fatores climáticos na presença e na abundância de certos vírus em ambientes urbanos, o que pode impactar de maneira relevante as estratégias de vigilância epidemiológica baseada no esgoto.
“Nosso trabalho acrescenta uma nova dimensão a esse campo ao destacar a diversidade e a complexidade da comunidade viral em esgotos urbanos, além de enfatizar a importância de entender o papel dos vírus não classificados. Esses vírus, que ainda não foram completamente treinados, podem ter implicações significativas para a saúde pública e precisam ser investigados mais a fundo”, alerta Lucymara.
Epidemiologia baseada em águas residuais
Ferramenta emergente de vigilância, a epidemiologia baseada em águas residuais (WBE – wastewater-based epidemiology) analisa indicadores biológicos ou químicos em esgotos para monitorar a saúde da comunidade. Ela é amplamente usada para estimar padrões de consumo de drogas ilícitas e, mais recentemente, rastreou a prevalência de SARS-CoV-2 durante a pandemia de covid-19. A WBE oferece dados quase em tempo real, permitindo uma rápida adaptação de estratégias de saúde pública.
Lucymara vislumbra o potencial da WBE como sistema de alerta precoce para surtos de doenças infecciosas, em complemento a métodos tradicionais de vigilância. Embora reconheça dificuldades impostas pelos altos custos e pela complexidade técnica das tecnologias de sequenciamento — eventualmente agravadas por infraestrutura inadequada, recursos financeiros limitados e problemas de governança —, a pesquisadora classifica a ferramenta como promissora para um monitoramento abrangente em nível comunitário.
“Para superar esses desafios, é necessário capacitar recursos humanos e investir em infraestrutura a fim de garantir que a vigilância genômica possa efetivamente ser utilizada”, analisa a professora Lucymara Fassarella, visando à adoção plena da epidemiologia baseada em águas residuais.
E por falar em capacitação de recursos humanos, Julia Freitas também aborda as perspectivas futuras de sua pesquisa e de outros resultados encontrados nas amostras coletadas no esgoto de Natal. “Tenho ainda a parte de bactérias na qual estou trabalhando para publicar. Além disso, os dados gerados podem levar a uma infinidade de análises”, afirma a pesquisadora.
Intitulado Metaviromic reveals the dynamics and diversity of the virosphere in wastewater samples from Natal, Brazil (Metaviroma revela a dinâmica e a diversidade da virosfera em amostras de águas residuais de Natal, Brasil — em tradução livre), o estudo é assinado também pela pesquisadora Thais Teixeira Oliveira, do LBMG. É possível conferir outras atualizações e acompanhar as atividades do LBMG no Instagram do laboratório.
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